Mobilidade no Património Mundial da Unesco

Hoje é dia nacional dos Centros Históricos, e passados mais de doze anos desde que o de Guimarães é Património Mundial, o que mudou em termos de mobilidade?

Largo Misericórdia

Em 2002 esta efeméride era assim assinalada na imprensa.

Polis centro historico

O POLIS (Programa de Requalificação Urbana e Valorização Ambiental das Cidades) teve como propósito a melhoria da qualidade de vida nas cidades, através de intervenções nas vertentes urbanística e ambiental. Os seus principais objectivos específicos foram:

  1. Desenvolver grandes operações integradas de requalificação urbana com uma forte componente de valorização ambiental;
  2. Desenvolver acções que contribuam para a requalificação e revitalização de centros urbanos, que promovam a multifuncionalidade desses centros e que reforcem o seu papel na região em que se inserem;
  3. Apoiar outras acções de requalificação que permitam melhorar a qualidade do ambiente urbano e valorizar a presença de elementos ambientais estruturantes, tais como frentes de rio ou de costa;
  4. Apoiar iniciativas que visem aumentar as zonas verdes, promover áreas pedonais e condicionar o trânsito automóvel em centros urbanos.

Em Guimarães, o POLIS desenvolveu-se ao abrigo da componente 2 do programa: Intervenções em Cidades com Áreas Classificadas como Património Mundial, e a sua grande obra foi o Parque de Estacionamento do Largo Condessa de Mumadona. A componente ambiental deste projeto foi a promessa (nunca cumprida) de promover áreas pedonais e condicionar o trânsito automóvel no centro histórico.


Fez também neste mês de março, dois anos que o Regulamento de Acesso ao Centro Histórico de Guimarães entrou em vigor. Este regulamento já mereceu a minha atenção em dois artigos:

Nos dois anos em que devia vigorar, nunca este regulamento teve eficácia prática por falta de fiscalização, tendo até sido suspenso nos dias de semana e por um período de cinco meses através de um edital com fundamento legal discutível.


Resumindo:

  • O nosso Centro Histórico foi classificado pela UNESCO como Património Mundial, que no documento de nomeação elege a circulação e estacionamento automóvel como a sua principal ameaça;
  • Através do POLIS foi construído um parque de estacionamento com a contrapartida da promoção de áreas pedonais e condicionamento automóvel no centro histórico;
  • Em 2012, Guimarães foi Capital Europeia da Cultura, um estatuto que exigia e justificava uma mobilidade sustentável no Centro Histórico;
  • Foi elaborado e aprovado um regulamento de acesso ao Centro Histórico;
  • Existe unanimidade no discurso político dos vários partidos quanto à necessidade de condicionar o trânsito automóvel no Centro Histórico.

Apesar dos alertas, das promessas, das oportunidades, dos regulamentos e dos discursos, a realidade da mobilidade no Centro Histórico de Guimarães, na prática,  pouco ou nada se alterou nestes últimos doze anos.

Neste capítulo, vivemos numa hipocrisia coletiva. Existe um faz de conta, uma falta de coragem e uma indiferença que me preocupam.

José Cunha

Regulamento Acesso Centro Histórico – II

Em fevereiro passado escrevi um post neste blogue sobre o Regulamento de Acesso ao Centro Histórico, onde relatei a minha desilusão para com todos os partidos politicos que aprovaram um regulamento que não serve os propósitos que todos eles reclamam.

Dizem que temos que dar “um passo de cada vez“. E eu digo que esse, é o argumento recorrente de quem não tem coragem para desagradar, mesmo sendo caso disso.

Mas a  filosofia do “um passo de cada vez“, não foi só seguida nas restrições impostas no regulamento, a falta de coragem está bem patente na demora e desorientação na sua aplicação. Ora vejam lá.

16 fevereiro – aprovado em reunião de câmara
27 fevereiro – discutido e aprovado em assembleia municipal
21 março – entrou em vigor
14 maio – sinalização das restrições junto aos CTT e Café Milenário, e colocação de barreiras na Rua da Rainha.

Porque é que só dois meses após a entrada em vigor do regulamento é colocada a sinalização que lhe confere eficácia legal no terreno?

Os sinais colocados nos CTT e Milenário não estão corretos. Falta a indicação de que a zona também é de estacionamento e paragem proibidos. Será que foi só incompetência? Será que vão fazer plantação de sinais? Terá sido “esquecimento”? Uma coisa é certa, enquanto não houver sinalização, a Policia Municipal não vai ter a “dor de cabeça” de fiscalizar (desagradar) estacionamentos na zona.

Apesar da sinalização, o acesso à zona intramuros tem-se processado como se nada tivesse mudado. À exceção da Rua da Rainha, onde colocaram pilaretes, os carros circulam como dantes com a indiferença da Policia Municipal. Alguns agentes, por mim interpelados,  afirmam não ter tido qualquer formação sobre o regulamento, que aliás desconhecem como ficou bem patente nas respostas às minhas observações.

Como é possivel, que dois mêses após a entrada em vigor de um regulamento, ao agentes responsáveis pela sua fiscalização o desconheçam?

Quando é que vamos ter sinalização e fiscalização adequada para fazer cumprir o Regulamento de Acesso à Zona Intramuros do Centro Histórico de Guimarães? Ou terá sido só para “inglês ver”?

Porque será que nem classe politica, nem comunicação social se insurgem com estas questões de mobilidade? Será indiferença? Será dos “brandos costumes”? Será porque não é futebol? Será porque não dá votos?

José Cunha

Regulamento Acesso Centro Histórico

A Assembleia Municipal discutiu e aprovou por unanimidade o Regulamento de Acesso ao Centro Histórico de Guimarães.

Este regulamento, em substância, não trás quase nada de novo, e limita-se a passar a escrito as restrições habitualmente implementadas para aquele espaço.

Resumidamente, o regulamento impede o trânsito e estacionamento na zona intramuros das 21:30 às 7:00.

Fui à assembleia para ouvir argumentos, e para deixar expressa a minha opinião, mas não tive coragem para intervir.

Deixo aqui o que tinha escrito para lá falar:

Desde há muito que a mobilidade em Guimarães tem merecido a minha atenção e intervenção, e o que me traz aqui hoje é o novo regulamento de acesso ao centro histórico.

O Centro Histórico de Guimarães é património mundial há dez anos.

A UNESCO, no documento de nomeação de Guimarães a Património Mundial, no capitulo que fala dos fatores que afetam o “bem” (Centro Histórico), refere o automóvel em 3 dos seus 6 pontos, que eu resumi da seguinte forma:

  • A circulação e estacionamento colidem com o espaço dos peões.
  • A poluição sonora, visual e atmosférica afetam os visitantes.
  • A circulação automóvel, acelera a degradação dos edifícios.

O que eles referem é óbvio, e creio que todos concordarão com essa leitura.

No entanto, e dez anos volvidos, o que foi feito para reverter a situação? Quase nada.

Estivemos dez anos a marcar passo, e quando temos a Capital Europeia da Cultura na nossa cidade, a justificar e exigir um passo firme e determinado rumo à pedonalização, o que é que fazemos?

Damos um passinho, tímido e medroso.

Ouço dizer repetidamente que temos que “receber bem” para colher os frutos da CEC no pós 2012, mas será que sujeitar quem nos visita a conviver com o automóvel em  boa parte do nosso centro histórico é “receber bem”?

As cidades que concorrem com Guimarães pelos turistas certamente agradecem.

No preâmbulo do regulamento diz-se pretender “proteger e melhorar as condições de fruição e preservação do Centro Histórico intramuros, reduzindo o impacto negativo, estético e ambiental, da circulação automóvel e potenciando a mobilidade pedonal, designadamente dos visitantes”.

Acreditam sinceramente que condicionar o acesso entre as 21:30 e as 7:00 fará cumprir os objetivos pretendidos?

O tráfego nesse período corresponde a que percentagem diária?

Foi feito algum estudo? Sabem quantos, porquê e em que horários se acede ao CH?

Eu calculo que o período de acesso condicionado não ultrapassará os 10% do tráfego diário, pelo que pergunto: que problemas serão resolvidos?

Será que diminui substancialmente a passagem de carros pelo CH? Não.

Diminui o conflito com os peões? Não. Não é esse o período de maior afluência de peões.

Protege o edificado dos malefícios da circulação automóvel? Também não.

O Sr. Presidente da Câmara afirmou estes dias a um jornal que não admitirá que “a recolha de imagens de um monumento seja ferida por algo que não lhe corresponde”.

Dou um prémio a quem conseguir encontrar à venda um postal do Largo da Misericórdia (deste século). Porque será? Não é por falta de monumentos.

Até quando essa “pérola” da “jóia da coroa” vai continuar a ser um parque automóvel?

Quero deixar claro que não defendo soluções fundamentalistas.

Não defendo a proibição total de automóveis ao centro histórico, mas sim o acesso condicionado, acompanhado de incentivos à fixação de moradores e comércio.

Querer um centro histórico liberto de automóveis não é fundamentalismo.

Fundamentalismo, é submeter o centro histórico ao jugo do automóvel.

Fundamentalismo, é saber que as ruas do centro histórico não foram construídas nem dimensionadas para carros, mas mesmo assim, afetar 70 a 80% do seu espaço para uso do automóvel.

Fundamentalismo, é querer estacionar 15 carros na Rua do Retiro, ou 20 na Rua João de Melo.

Quando tomei conhecimento que estariam a preparar este regulamento, e tendo a perceção de que todos os partidos defendem o condicionamento automóvel no centro histórico, criei algumas expetativas, mas como diz o ditado, “a montanha pariu um rato”. E dos pequenos.

É minha convicção, que se este regulamento não for revisto a curto prazo, continuaremos a marcar passo.

Haja coragem!

Em aditamento ao que escrevi na altura, acabo com uma frase do presidente da câmara, proferida nessa assembleia: “Só governa quem desagrada, se for caso disso.”

José Cunha