Ecorâmicas – “Um pouco mais pequeno do que o Indiana”

Integrado nas “Ecorâmicas” – Mostra de Cinema Documental – decorreu no passado Domingo, dia 2 de Outubro, no forum FNAC Guimarães, a exibição  do documentário “Um pouco mais pequeno do que o Indiana” de Daniel Blaufuks, comentado no final pelo geógrafo e professor universitário João Sarmento.

E a terra contorce-se…ainda sentimos esta geografia?

Vejo o bailado da bandeira de Portugal que encerra este documentário filmado no final do verão de 2004, como expressão de um país que se contorce sobre si mesmo, que se esperneia, que sofre, que luta internamente contra a sua Geografia. Daniel Blaufuks procurou o lado negro da paisagem e encontrou-o, ao virar da esquina, muto mais rapidamente do que sonhava. A paisagem que se mostra é sôfrega, voraz e insaciável!

Vejo este documentário (barra) road-movie como um espelho. É a nossa imagem que simultaneamente nos causa um choque, resultado da forma como estamos a ser talhados, mas também uma revolta, um confrangimento e mesmo indignação. Haverá uma impotência inerente à nossa essência e ao ponto a que chegamos? Daniel contrapõe o espírito de mudança de há mais de três décadas com a apatia contemporânea. É como se nada nos importasse. Aceitamos resignados viver nestas estradas por onde rola o ‘nosso’ Mercedes, neste país de beira de estrada.

Daniel Blaufuks constrói o documentário sobre um paradoxo que creio que funciona bem, pois dá-nos uma boleia lenta num velho Mercedes, e cruzamos um país agora rasgado de auto-estradas. Por vezes acelera a imagem e amplifica a velocidade com que os outros nos ultrapassam; muitas vezes arrasta a voz, exagerando este contraste. A propalada mobilidade e fluidez com que fomos contemplados tem um lado perverso e absurdo. Já não paramos, já não vemos. Como seriam diferentes as paisagens e lugares se o documentário fosse feito por alguém que caminhasse Portugal, que o atravessasse de bicicleta ou mesmo de comboio. Mas este torrão que nos é dado a ver, é sem dúvida mais próximo da experiência quotidiana da maioria de nós.

Daniel usa uma técnica de justaposição temporal. Por um lado leva-nos a olhar as paisagens estáticas dos postais turísticos de meados do século XX e a observar filmagens de um Portugal que já não existe: o que precede o crescimento para além da cidade compacta. Por outro lado desenrola o Portugal contemporâneo a partir do interior do automóvel – é assim que de facto maioritariamente o vemos – a partir de um (outro) ecrã que projecta a paisagem. Os cheiros e as texturas afastam-se do nosso corpo. Neste deambular motorizado por Portugal continental vemos a nossa cultura da estrada.

Mas nós estamos anestesiados. Já não vemos estas paisagens. A arquitectura da maison ou chalet alemão ou suíço, com as suas grades e muros altos, naturalizou-se. Os stands de automóvel de beira de estrada, as piscinas expostas e erguidas, ou os edifícios-montra com móveis e electrodomésticos, dimensionados para os vermos do interior do automóvel e de passagem, são um elemento tão comum e familiar que já não os questionamos. Não nos ferem, não os sentimos. O urbano, o rural, o periférico e o suburbano, e tudo o mais, confundem-se e confundem-nos, a aglomeração e a dispersão convivem e já não conseguimos ler a nossa terra. O fim disto tudo, a que aspiramos depois da próxima curva, não chega.

Daniel tem este mérito. Confronta-nos com a essência da nossa paisagem do quotidiano, com os lugares que temos construído, com os silêncios de uma insurgência colectiva que se adia. Silêncios que a paisagem perdeu. A estrada confunde-se com a rua. De formas distintas do que encontramos na América do Norte, também aqui parece que o Mickey Mouse prepondera sobre os arquitectos, agrada aos autarcas, embala quem passa sempre com urgência, ao som de noticiários psicadélicos, sem pausas, sem tempo para parar e ver estes retratos pungentes.

O documentário defende que o país, e a sua paisagem, perdeu a memória. Remexemos a terra, retorcemos os ferros, partimos as pedras. Já não conseguimos comparar as praças de hoje com as de outrora. A transformação deste país litoralizado – com uma pendente tão acentuada que nos impele para o mar – é tanta, que o mais forte que sobra do passado é o nome.

Aqui e acolá o documentário tem laivos de nostalgia do passado recente. Compassadamente são-nos projectados números sobre um país que parece definhar. São os números com que os media nos bombardeia diariamente e sobre os quais já não questionamos nem a veracidade nem as sequelas.

O documentário é apocalíptico, propositadamente não apontando para veredas, para regatos, para os interstícios destas entranhas contorcidas e sinuosas. Retratando tendenciosamente apenas o que de pior se faz foi a forma de Daniel Blaufuks nos sacudir, de nos abalroar com o nosso próprio retrato.

João Sarmento, Geógrafo, Professor Universitário, Sócio da AVE

 

Ecorâmicas – “Tão perto, tão longe”

Integrado nas “Ecorâmicas” – Mostra de Cinema Documental – decorreu no passado Domingo, dia 4 de Setembro a exibição  da coletânea  “Tão Longe Tão Perto”, um total de vinte curtíssimas metragens (seleção de doze), produzidas por Luís Correia com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.

No Fórum Fnac entre as 18.00 e as 19.30 horas, os presentes usufruíram de uma diversidade de olhares cinematográficos de realizadores de países como a Servia, a Coreia, o Japão, Portugal a Namibia, entre outros.

Olhares sobre práticas e  formas de estar e viver o quotidiano em diferentes latitudes revelou aos presentes quão perto, na diversidade, nos encontramos.    LINK SINOPSE

Pensamos que, deste modo, as “Ecorâmicas” realizaram um dos seus propósitos, a repetir no próximo dia 2 de Outubro, à mesma hora no Fórum Fnac de Guimarães.

Apareçam