Porque é que o comboio não é mais importante em Portugal?

Porque motivo não é o comboio mais popular e presente no dia-a-dia do país?

Desde 1995, olhando para a explosão na taxa de motorização da população (que duplicou, para cima da média UE15) e diminuição da ocupação dos automóveis (que passou para metade, abaixo da média UE15) sentimos a tentação de atribuir um qualquer factor cultural afecto ao nosso país quando na verdade este comportamento é somente o resultado de uma estratégia pública de duas décadas.

Como é que políticas públicas de transportes criaram esta situação? Existiu uma confluência de factores que se reforçaram mutuamente com o tempo: tivemos um crescimento económico que possibilitou a aquisição de automóveis, convergindo para números semelhantes a outros países da OCDE o que por sua vez motivou uma actualização da infra-estrutura rodoviária que foi necessária, uma vez que eram impraticáveis as ligações de que dispúnhamos, como a mítica viagem ao Algarve que demorava um dia inteiro.

Ao mesmo tempo, uma esclerosada e atrasada rede de transportes públicos, cuja má memória persiste, não sofreu simultaneamente o mesmo investimento, possivelmente como uma espécie de vingança cultural face ao que era o meio mais comum de deslocação, quase sempre em más condições.

Com o passar do tempo e com fundos europeus aparentemente inesgotáveis, os projectos estruturais e necessários rodoviários acabaram por alimentar uma indústria em torno da sua construção e exploração que cresceram bastante em influência e começaram a surgir os primeiros projectos de “vaidade política” e as primeiras auto-estradas redundantes, com a ferrovia a ficar na gaveta.

Em finais dos anos 90 o carro, agora quase sem alternativas ao seu uso, emerge como uma necessidade inatacável, firmemente implantada na nossa consciência ao lado de outras necessidades quotidianas básicas como a electricidade ou os esgotos dentro de casa.

Como resultado, existem hoje mais de 8 auto-estradas com um Tráfego Médio Diário de menos de 10000 veículos, o limite-último da rentabilidade, com mais de 3000 milhões de euros para 3 novas ligações de redundância escandalosa (a 3º paralela do centro, Douro Internacional, Transmontana). Em valores de agora, isto equivale a um salvamento do BPN , a 6 submarinos ou aos cortes sociais do OE2011.

A Linha do Norte, o nosso mais caro (e lucrativo) projecto ferroviário e a única verdadeira obra estrutural na ferrovia pós-25 de Abril, custou 425 milhões e ainda não terminou.
O nosso Vale do Ave serve de retrato às consequências de ordenamento do território que vêm com uma taxa de motorização elevada e com uma infra-estrutura sobredimensionada.

O carro possibilitou atomizar os percursos casa-escola-trabalho pelo território, de certa forma fabricando perversamente a sua própria legitimidade – estamos livres para fazer um percurso diário médio de 30km com rapidez mas não de prescindirmos deste meio de transporte quando somos confrontados com a falta de serviços de proximidade à porta de casa ou com a ausência de meios de transporte públicos que nos sirvam de forma conveniente.

Esta relação culminou na dedicação actual de quase 1/4 do orçamento familiar (em média) e de quase 1/3 da energia final consumida no país a este modo de transporte e também na dispersão de recursos para levar água, esgotos, electricidade, iluminação, estacionamento e ruas a todas as casas e aglomerados, numa distribuição perdulária fácil de constatar num voo nocturno.

Apesar de termos (ou termos tido, antes de se acabarem os fundos europeus) a capacidade e a necessidade de ter uma situação muito melhor em relação à ferrovia, Portugal é hoje o país da UE com as maiores cidades sem comboios, nada mais nada menos do que 5 capitais de distrito sem quaisquer ligações ( Bragança, Vila Real, Viseu, Évora, Beja), com Leiria alinhada para se juntar a esta triste procissão.
As ligações suburbanas, inter-regionais e de intercidades, com um padrão de serviço semelhante à Linha do Norte, certamente seriam opções bastante competitivas e úteis mas trabalha-se ainda com traçados e infra-estrutura dos anos 50 (e mesmo do século XIX!), material circulante dos anos 70 e horários e correspondências que põe trajectos curtos a durar 4 horas.

Se a situação fosse a inversa seríamos um país com a maior rede de TGVs do mundo mas ainda a ter apenas as Estradas Nacionais para ligar quase todas as cidades!

Foi uma monumental oportunidade perdida a possibilidade de renovarmos simultaneamente tanto a rodovia como a ferrovia dentro da racionalidade – hoje contrastam caricatamente.

São agora bastante populares as comparações actuais de linhas sem intervenções há 40 anos com o rival auto-estrada, de forma a justificar o seu encerramento – é o padrão que vamos ver ainda mais em 2011, com uma anunciada aniquilação do serviço ferroviário, por iniciativa das próprias empresas do Estado que o gerem.

Mas existem as excepções que comprovam que, existindo um serviço rápido, económico e confortável, a preferência dos portugueses é dedicada à ferrovia: a ligação Lisboa-Porto, apesar de estar ainda em obras, é uma linha que não só é cada vez mais lucrativa mas que assegura já a preferência de 20% dos passageiros, com potencial para aumentar (existem muitos horários que já estão congestionados), o que só torna mais incompreensível o atraso nas obras, que está no caminho de poupanças de tempo muito significativas. Os serviços de urbanos, apesar de também estar aquém das intervenções necessárias, foi renovado gradualmente e já atinge metas de bilheteira para 2014, com um bom crescimento anual que poderá permitir alcançar a rentabilidade plena, se houver aposta na angariação de clientes através da melhoria do serviço prestado.

No fundo, o que os cidadãos pretendem é usarem um meio de transporte que seja o mais seguro (a seguir ao avião, por kM percorrido); o mais eficiente em termos de energia e de emissões, quando electrificado (até 70% menos MJ/kG/kM quando comparado com automóveis a gasolina com 10 kM/L e considerando os alvos da UE para 120 g/km de CO2); e o economicamente competitivo face ao mesmo trajecto pela rodovia, para percursos urbanos e inter-regionais em que a linha está modernizada. Muitos vêem também na ferrovia alguns benefícios subjectivos como a redução do stress e cansaço de guiar ou a facilidade de ter actividades de lazer no tempo do percurso.

Por todas estas razões o comboio tornou-se cada vez mais um dos meios predilectos na Europa e numa aposta estratégica na China e EUA, que prevêem ambos transformações em enorme escala da sua infra-estrutura ferroviária. Em muitos outros países as metas ambientais para o sector dos transportes baseiam-se fortemente na promoção da ferrovia para transporte de carga e passageiros.

PETIÇÃO COMBOIOS EXPRESSO PARA GUIMARÃES

GUIMARÃES PORTO EM 50 MINUTOS

Nuno Oliveira